quarta-feira, 31 de março de 2010

A Compaixão Segundo Nietzsche

***
[ Título original do texto: "Compaixão é Fraqueza ?" ]
***
«Minha experiência dá-me o direito de desconfiar, em princípio, dos impulsos chamados "desinteressados", e de todo o "amor ao próximo", sempre disposto à palavra e ao acto. Eu o vejo em si como fraqueza, como caso especial da incapacidade de resistência aos estímulos - a compaixão passa por virtude apenas entre os decadentes [...] compaixão cheira instanteneamente a plebe [...] Coloco a superação da compaixão entre as virtudes nobres.»
***
Este relato não parece ser o relato de um homem. Bem poderia ter sido falado por um demónio. Mas pasmem, ele saiu da pena de um homem genial chamado Friedrich Nietzsche, em sua célebre confissão auto-biográfica de 1888 (Ecce Homo). Devemos reconhecer que não é muito comum ver alguém defendendo tão apaixonadamente a superação da compaixão e dos impulsos que nos levam a amar ao próximo. Contudo, apesar do tom ácido lançado como um míssel a uma das mais belas virtudes proclamadas pela fé cristã, Nietzsche não disse nenhuma novidade e por isso não deveríamos ficar tão espantados. Esta estranha idéia de "ser capaz de resistir aos estímulos da compaixão" que Nietzsche exalta como a virtude mais nobre, não é nada senão uma versão radicalmente ousada daquilo que os antigos gregos chamavam de apatheia. Nas escolas filosóficas gregas, principalmente a dos estóicos, a apatheia (de onde vem a palavra apatia) era um alvo a ser alcançado. Somente através da apatia e da indiferença, ou da total ausência de perturbação, que o individuo habilidosamente adestrado, conseguia chegar a um estado de ataraxia (tranquilidade) ou impertubabilidade. Ou seja, a apatheia era uma escolha para a felicidade, e a felicidade se resumia naquele momento em que a alma se torna insensível à dor e a qualquer sofrimento. Alguns estóicos como Epicteto acreditavam que o amor e a compaixão eram formas de escravidão, portanto, devemos nos treinar para a indiferença. Agora você percebe que não é muito diferente do que Nietzsche disse em Ecce Homo?Gostaria de fazer duas considerações. A primeira é quanto a impossibilidade de se viver sem sermos afectados pelas sensações decorrentes dos acontecimentos da vida. E a segunda, é uma consideração à chamada para uma existência mergulhada na compaixão de Cristo.
***
Foi o humanista Erasmo de Roterdão que fez a crítica mais irónica ao estilo de vida dos estóicos. No seu incrível livro Elogio da Loucura, Erasmo defende a idéia que somente os loucos e aqueles que se entregam de forma apaixonada à vida podem ser felizes de facto. Assim diz a Loucura:"...toda a diferença entre um louco e um sábio é que o primeiro obedece às suas paixões e o segundo à sua razão. Eis porque os estóicos proibiram ao sábio as paixões como se fossem doenças. No entanto, são essas paixões que servem de guia aos que seguem com ardor o caminho da sabedoria; são elas que os estimulam a cumprir os deveres da virtude, inspirando-lhes o pensamento e o desejo de fazer o bem. Um sábio absolutamente sem paixões não seria mais um homem, seria uma espécie de deus, ou melhor, um ser imaginário que jamais existiu e jamais existirá; ou enfim, para falar mais claramente, seria um ídolo estúpido, desprovido de todo sentimento humano e tão insensível quanto o mármore mais duro".Esta crítica pode ser redirecionada a Nietzsche e a seu protótipo de ser humano ideal , que foi denominado por ele Übermensch (super-homem). Quem era o super-homem de Nietzsche? Um "sobre-humano" de personalidade forte, governado pelo desejo de poder, um misto de deuses do panteão com conquistadores romanos, uma espécie vencedora e sobrevivente da selecção natural darwiniana. É por isso que Nietzsche não podia suportar a idéia cristã de amor aos fracos e miseráveis, é contra a selecção natural dos mais fortes.
***
Não havia indiferença ou qualquer espécie de apatia em Jesus. Foi ele mesmo que nos ensinou que uma vida autêntica é uma vida de serviço aos mais fracos. O maior, o Übermensch de Jesus, não é quem tem vontade de poder, mas quem tem vontade de servir. Jesus, através de sua vida na terra, nos ensinou que devemos nos importar com os miseráveis deste mundo, temos que nos deixar abalar pela dor dos que sofrem, dos que não têm comida, roupa e amigos. A bíblia é clara em dizer que Jesus era movido por compaixão. Sua misericórdia surge do meio de suas entranhas e foge ao entendimento humano. A palavra grega para compaixão (splagchnizomai) significa intestinos, entranhas, vísceras, ou seja, a interioridade de onde brotam as fortes emoções. O Deus judaico-cristão, revelado na face de Cristo, chora ao ver uma viúva que perdeu o filho, chora quando vê o seu amigo morto, chora ao ver a dureza do coração de Jerusalém. E movido pela força da compaixão, aproxima-se dos que sofrem e oferece a sua presença consoladora. Na óptica de Cristo, bem-aventurados são os que choram. Nós, cristãos, fomos chamados a viver de acordo com a compaixão de Jesus. Devemos dobrar os nossos joelhos e pedir a Deus a capacidade de nos importarmos com os que estão ao nosso lado. E somente quando amarmos como Ele amou, poderemos dizer: Somos seus discípulos! E em nossa fraqueza, o poder de Deus se manifestará.
***
Fonte : Daniel Grubba *** Soli Deo Glória

terça-feira, 30 de março de 2010

"Jesus, Transgressor de Fronteiras "

Como hebreu e legítimo descendente de Abraão, Jesus não se deixava intimidar por fronteiras criadas pelos homens. Ele as transgredia. O texto sagrado diz que “indo ele a Jerusalém, passou pelo meio de Samaria e da Galiléia” (Lc.17:11). Aquela era uma região conflitosa. A Galiléia era habitada por judeus, e estes, por razões históricas, não aceitavam relacionar-se com samaritanos. Essa raça mista era o triste lembrete de uma época em que seus ancestrais haviam sido levados cativos para a Babilônia. O clima era sempre tenso naquela região. Havia animosidade em ambos os lados da divisa. A caminho de Jerusalém, Seu destino final antes de ser crucificado, Jesus atravessa a região conflitosa. Sua missão estava acima de qualquer zona fronteiriça. Fronteiras raciais, culturais, lingüísticas, religiosas, não se constituem qualquer empecilho aos Seus propósitos. O texto prossegue: “Entrando em certa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez leprosos, os quais pararam de longe, e clamaram: Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós” (vv.12-13). A origem de muitos preconceitos é a desinformação. Naquela época, os leprosos eram discriminados e tinham que viver excluídos da sociedade. A lei determinava que se um leproso ousasse aproximar-se menos de dez metros de uma pessoa sã, deveria ser apedrejado até a morte. Vilas eram construídas fora dos limites dos centros urbanos para abrigar os leprosos. Por perderem o convívio familiar, só lhes restava a companhia de outros leprosos. Por isso, andavam em grupo. Somos informados pelo texto sagrado, que desses dez leprosos, um era samaritano. Embora fosse de etnia diferente dos outros nove, algo os tornava semelhantes: a lepra. Todos haviam sido igualmente rejeitados por seus familiares e patrícios. Não fazia sentido nutrir qualquer tipo de preconceito. Só lhes restava a solidariedade. Talvez isso explique a razão pela qual Deus permite tragédias. Elas nos unem. [...]
***
Continuar a ler AQUI no Blogue de Hermes Fernandes

" O Chavão da Sã Doutrina"

“Cristo não foi essencialmente professor, legislador, mas ser humano, ser humano real como nós. Por isso, ele não quer que em nosso tempo sejamos alunos, representantes ou defensores de determinada doutrina, mas seres humanos, seres humanos reais perante Deus.” (Dietrich Bonhoeffer)

“Viajar ao redor do mundo e conhecer o clero de todas as denominações ajudou a moldar-me num ser ecuménico. Estamos separados pela teologia e, em alguns casos, pela cultura e pela raça, mas essas coisas não significam mais nada para mim.” (Billy Graham, U.S. News & World Report, 19 de Dezembro de 1988)

Jesus Cristo não veio a este mundo para ensinar uma doutrina em particular mas sim para reconciliar os homens com o Pai. Não vemos o Mestre de Israel alimentar discussões teológicas com os teólogos da época. A única vez que terá discutido doutrina e teologia com os doutores da Lei terá sido aos doze anos, aquando da visita a Jerusalém e mesmo aí as Escrituras não registam o teor da argumentação, pelo que a mesma será irrelevante para nós (Lc 2:41-47). Sejamos claros, a doutrina não é uma vaca sagrada. Desmistifiquemos esse mito.

***

A doutrina é sobretudo uma questão de identidade Todo o ser humano dispõe de uma identidade. Ela implica características distintivas, que não só o distinguem de outros cidadãos como lhe conferem um sentido próprio e muito pessoal. A arquitectura estética e conceptual do indivíduo, as suas origens, a sua história de vida, o seu self, fazem dele uma pessoa única e irrepetível. É claro que alguns gostos, vocações e características pessoais não são exclusivas daquele dado indivíduo, o que lhe permite a identificação de grupo ou comunitária com outros seus semelhantes. Mas até estes aspectos, digamos, mais sociais, ajudam a definir a sua singularidade. Por exemplo, um jogador de futebol não é igual, apesar de tudo aos seus colegas, embora possa ter a mesma nacionalidade, idade, naturalidade, clube ou posição de jogo. Será sempre um jogador diferente de todos os outros, e nesse sentido, único. [...]

***

Por Brissos Lino *** Continuar a ler AQUI no blogue A Ovelha Perdida

segunda-feira, 29 de março de 2010

Tristeza Feita Mármore

No passado sábado, fui com a minha esposa ao cemitério. Ela queria visitar a campa onde repousam os restos mortais dos seus pai e irmão. Admito não ser frequentador de cemitérios, por várias razões, para além de que lhes não reconheço grande sacralidade, contrariando aquilo que recebi como herança cultural judaico-cristã que nos enformou a todos neste domínio. Enquanto a minha esposa cuidava de algumas coisas junto da campa dos nossos queridos, afastei-me um pouco e deambulei pelos corredores abertos entre as outras muitas campas que enchem o cemitério novo de Alverca. Fiquei admirado com a quantidade de gente jovem cujos restos mortais ali se encontram, muito jovem mesmo. Vidas ceifadas numa juventude breve.
Objectos esculpidos em mármore ou granito adornam as pedras frias e remetem para actividades que aqueles jovens desempenharam enquanto viveram: desporto e música, maioritariamente. Não sei explicar a razão ( embora intimamente possa avançar algumas tentativas de explicação ), mas a verdade é que eram mais os jovens do sexo masculino do que do sexo feminino que ali estavam assinalados em derradeiros memoriais familiares. Interroguei-me, sim, e de novo, sobre a efemeridade e fragilidade da vida que vivemos num mundo entre perigos, percalços e ciladas postas por um conjunto de situações em que voluntariamente nos envolvemos ou que nos envolvem a nós sem que contribuamos com alguma coisa para isso. Cemitérios são lugares de tristeza porque de separação, e não apenas para os que partem. Para as famílias fica a dor e o sofrimento provocado pela ausência dos seus queridos, mas muitas vezes também a incerteza sobre o que sobra do desenlace físico; o futuro, a eternidade e se a garantimos ou não, junto de Deus, a nossa presença junto do Senhor da nossa vida, uma vida não apenas terrena. Como cristão, confesso que, assaltado por estes pensamentos, me vieram as lágrimas aos olhos, enquanto desfiava as memórias inscritas nas lápides geladas de tristeza por aqueles que partiram. Senti-me responsável; não conhecia sequer um nome ou um rosto dos que ali foram enterrados. Todos eram jovens duma comunidade alargada de concidadãos meus, que habitavam na minha cidade ou nas freguesias a ela pertencentes. Sim sou responsável pela sua partida sem que eventualmente tenham ouvido sequer nomear o nome do Salvador e Redentor das suas vidas.
***
Jacinto Lourenço

"A Pedofilia na Igreja Católica"

Na semana passada, fui abordado por vários jornalistas sobre a calamidade dos padres pedófilos. Que achava? A resposta saía espontânea: "Uma vergonha." Aliás, no sábado, apareceu, finalmente, a Carta do Papa, na qual manifestava isso mesmo: "vergonha", "remorso", partilha no "pavor e sensação de traição".

O pior, no meio deste imenso escândalo, foi a muralha de silêncio, erguida por quem tinha a obrigação primeira de defender as vítimas. Afinal, apenas deslocavam os abusadores, que, noutros lugares, continuavam a tragédia.

Há na Igreja uma pecha: o importante é que se não saiba, para evitar o escândalo. Ela tem, aliás, raízes estruturais: o sistema eclesiástico, clerical e hierárquico, acabou por criar a imagem de que os hierarcas teriam maior proximidade de Deus e do sagrado, de tal modo que ficavam acima de toda a suspeita. Mas, deste modo, aconteceu o pior: esqueceu-se as vítimas - no caso, crianças e adolescentes, remetidos para o silêncio e sem defesa.

Neste sentido, o Papa dirige-se criticamente aos bispos: "Foram cometidos sérios erros no tratamento das acusações", que minaram "seriamente a vossa credibilidade e eficiência". Por isso, "só uma acção decidida levada em frente com honestidade e transparência poderá restabelecer o respeito em relação à Igreja". Mas, aqui, há quem pergunte se não foram ignoradas as responsabilidades do Vaticano nestes erros e silêncios.

É sabido que infelizmente a Igreja Católica não tem o monopólio da pedofilia, que passa por muitas outras instituições: religiosas, civis e militares - há dados que mostram que a maior parte dos casos acontece nos ambientes familiares -, e é decisivo que todos assumam as suas responsabilidades, pois não é bom bater a culpa própria no peito dos outros. Mas é natural que o que se passou no seio da Igreja seja mais chocante, já que se confiava mais nela.

Até há pouco tempo, a Igreja pensou que era a guardiã da moral e queria impor os seus preceitos a todos, servindo-se inclusivamente do braço secular, ao mesmo tempo que se julgava imune à crítica. Recentemente, a opinião pública começou a pronunciar-se também sobre o que se passa na Igreja, pois todos têm o direito de debater o que pertence à humanidade comum. Há quem diga que, no caso, se trata de revanchismo. A Igreja tem dificuldade em lidar com a nova situação, mas, de qualquer modo, tendo sido tão moralista no domínio sexual, tem agora de confrontar-se com este tsunami, que exige uma verdadeira conversão e até refundação, no sentido de voltar ao fundamento, que é o Evangelho.

As vítimas precisam de apoio e de reparação, na medida do possível. Esse apoio não pode ser só financeiro. Note-se que já se gastaram em indemnizações milhares de milhões de euros, sendo certo que os fiéis não pensariam que todo esse dinheiro havia de ter, infelizmente, este destino. Assim, até por isso, a Igreja precisa de reparar os males feitos e de uma nova atenção para que esta situação desgraçada nunca mais se repita, o que implica, por exemplo, uma atenção renovada no recrutamento de novos padres.

Os abusadores precisam igualmente de apoio, também psicológico, e de compreensão. Deve, no entanto, vedar-se-lhes o exercício do ministério e, uma vez que se está ao mesmo tempo em presença de um pecado e de um crime, deverão pedir perdão, reconciliar-se com Deus e colaborar com a Justiça dos Estados.

Não se pode estabelecer uma relação inequívoca de causalidade entre celibato e pedofilia, até porque há também muitos casados, até pais, que abusam sexualmente de menores. Mas também não se poderá desvincular totalmente celibato obrigatório e pedofilia, sobretudo quando, para chegar a padre, se foi educado desde criança ou adolescente num internato, aumentando o risco de uma sexualidade imatura.

Em todo o caso, será necessário pensar na rápida revogação da lei do celibato. Aliás, a Igreja não pode impor como lei o que Jesus entregou à liberdade. Enquanto se mantiver o celibato como lei, a Igreja continuará debaixo do fogo da suspeita.

***

Fonte: Prof. Anselmo Borges in Diário de Notícias de 27 de Março de 2010

quinta-feira, 25 de março de 2010

A Nuvem por Juno

Íxion, diz-se, foi um ancestral rei dos lápitas, um povo conhecedor da arte equestre. Paixão não era, por outro lado, uma virtude sentimental das mulheres da Lápita e, por isso, Íxion apaixonou-se pela deusa Juno ( Hera ) , mulher de Júpiter ( Zeus ) . Ora Júpiter decidiu, por tal razão, aplicar um castigo exemplar a Íxion e fez com que uma nuvem assumisse o aspecto da deusa Juno e aceitasse dormir com Íxion. Desta relação terão nascido os Centauros, meio homens, meio cavalos. É uma das versões mitológicas que desemboca depois na explicação para a brutalidade e "desumanidade" dos Centauros retratada no cinema e na literatura. «Os filhos de Íxion simbolizavam a força bruta, insensata e cega. Viviam originalmente nas montanhas da Tessália e alimentavam-se de carne crua».
Assumidamente, tenho cada vez mais dificuldade em interagir, genericamente, com o mundo em que vivo, e não estou só a falar de Portugal, já que, como diz a canção, " para esse peditório o pessoal já deu" . Faz-se viva para mim, todos os dias, a Palavra de Deus em João : " Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o compreendeu " .
Há temas que me assustam porque reveladores do lado mais obscuro, brutal, degradante e diabólico do ser humano, como seja a pedofilia. Cada vez se torna mais complicado distinguir a componente humana que subsiste na acentuada tendência para a "bestialização" do homem resultado dos seus casamentos forçados pela miséria do pecado.
Se só por si é suficientemente mau para ser absolutamente abobinável, quando o tema da pedofilia assume as proporções recentemente conhecidas no interior da igreja católica, isso torna-se completamente revelador dos malefícios que uma certa "igreja" traz ao mundo. Dizia à dias o Jorge Oliveira do "Canto do Jo" "que nem todos os padres são pedófilos, nem todos os pastores são charlatões" ; concordo em absoluto e dou graças a Deus por isso, e pelos muitos pastores e homens de Deus que eu próprio conheço e que são referências importantes enquanto verdadeiros ministros do céu, mas esse facto feliz não me impede de reconhecer que se estão a constituir em casos, não direi raros, mas cada vez mais difíceis de identificar por quem não conhece bem os meios em que cada ministro, e nós próprios nos movemos. Talvez por isso é que a ideia que passa para o exterior, para quem não compreende a mensagem do evangelho e nem percepciona a realidade da igreja, e não sabe, ou não quer distinguir a nuvem de Juno, porque normalmente toma uma pelo outro, é de que, precisamente, todos os padres serão pedófilos e todos os pastores charlatões. Uns e outros, pelos vistos, abundam por aí e, se não conheço bem a realidade da pedofilia, conheço razoavelmente bem a realidade evangélica para confirmar que o charlatanismo e a maldade enformam muitos ditos "pastores". Mas é pena que assim seja, e que igualmente a lucidez não se possa considerar uma virtude atribuível às massas e menos ainda a uma certa "media" cujo objectivo principal é vender papel ou conseguir "share". Com isto, são os cristãos fiéis e verdadeiros, e a verdadeira igreja cristã, que sofrem na carne uma perseguição verbal e psicológica que se avoluma ao ritmo do crescimento de uma bola de neve. Resta-nos o testemunho, o sermos Um com Ele, o marcar a diferença pela nossa atitude. A tolerância, o respeito, a humildade, o trabalho sério, o perdão, o Amor, são marcas distintivas e identitárias dos cristãos num mundo com o qual se torna cada vez mais difícil interagir. Talvez por isso o nosso desafio, enquanto cristãos, é muito maior num mundo "bestializado" e brutal em que não percebemos onde começa um homem e termina uma besta. Por vezes há uma fusão de brutalidade resultante de uma "bestialização" que esteve latente a aguardar uma ocasião e, como sabemos, a ocasião faz o ladrão.
***
Jacinto Lourenço

quarta-feira, 24 de março de 2010

Ode To Joy

***

Ode To Joy é um trecho da 9ª Sinfonia de Beethoven que foi terminada quando o compositor já se encontrava em adiantado estado de surdez. No dia da apresentação pública, Beethoven já não teve nenhuma possibilidade de ouvir tocar o que tinha composto. Se alguém compõe desta maneira, sendo surdo, valerá perguntar o que ainda poderia ter composto se não lhe acontecesse esse percalço.

Tocou-me a "fortuna", ontem à noite, no Coliseu dos Recreios de Lisboa, de ouvir em concerto a Orquestra Sinfónica e Coro de Rostov, dirigidos pelo maestro Voronini, não só este trecho que aqui reproduzo, a título de exemplo e tocado por outra orquestra, mas toda a Sinfonia. Na segunda parte do Concerto ouviu-se no Coliseu Carmina Burana, de Carl Orff, cujo trecho mais conhecido é Fortuna Imperatrix Mundi. Empolgante, e sem dúvida um privilégio que não nos acontece todos os dias. Um muito obrigado ao "mecenato" do meu filho e sua esposa, no meu aniversário.

***

Jacinto Lourenço

"A Irremediável Burguesia Religiosa" ( ou um Atlântico que já não Separa )

Se não me falha a memória, a frase é do Cazuza. “A burguesia fede, mas tem os seus encantos”. Pela classificação mais ordinária dos cidadãos brasileiros, nasci na classe “C”, isto é, no andar de baixo desta burguesia. Designado para viajar nos vagões mal cheirosos que ficam atrás do trem, minha infância não teve tantos mimos. Cresci sem automóvel (eu tinha 17 anos quando papai comprou um carro), sem frequentar lanchonete nos fins de semana e sem vestir roupa de grife. Não, nunca fomos pobres; tínhamos segurança alimentar e uma grande família com tios que chegaram junto na hora do sufoco. Mas, para entrar no baile de adolescente na vesperal do Clube Náutico, eu precisava pular o muro; para chupar um picolé no intervalo da aula, tinha que ir para o colégio a pé e para comer maçã, adoecer. Tornei-me um militante do patético alpinismo social. Em meu primeiro emprego, fixei a meta de comprar um fusca. Trabalhei como um remador de galé, mas um ano depois saí da loja montado nas quatro rodas alemãs - e mais trinta e seis prestações. Daí para a frente, continuei subindo. Cheguei ao mundo colorido da classe “B”. Eu já não era um remediado pobretão. Cedo, também notei que as escadas religiosas poderiam me conduzir a patamares mais elevados. Gastei a maior parte dos meus dias entre cristãos que faziam da religião o trampolim social que a sociedade lhes negava. Eu sabia que a lógica religiosa que eu aceitava de bom grado, e fortalecia, servia às aspirações de pequenos ricos. Primeiro, nos Estados Unidos. Viajei extensivamente por quase todo o território e conheci a América profunda. Preguei tanto em igrejas grandes como em bibocas. Evitei, por interesse, notar como os pentecostais se esforçavam para mostrar que não eram os primos pobres de batistas e presbiterianos. Por duas vezes, participei do Concílio Geral das Assembleias de Deus. Não há como descrever o desfile das vaidades que vi nessas reuniões. Pelos corredores lotados com mais de quinze mil pastores, mulheres borradas de maquiagem ostentavam roupas caras e os maridos batalhavam para ganhar a placa de “Maior Contribuinte de Missões Mundiais ”. Depois que voltei ao Brasil, também procurei cegar para o que via. Eu não queria notar como líderes denominacionais usavam de toscas manipulações para se manterem temidos como caudilhos. Pastores oriundos das mesmas camadas sociais que eu, se sentiam desafiados a passar pelo malho apertado da peneira social. Alguns, logo revelavam sinais exteriores de riqueza, fama, glória. Isso lhes motivava à luta e eu, confesso, queria ser como um deles. Os ungidos apareciam ao lado de políticos famosos, viajavam para Israel, abriam postos missionários além-mar. Paulatinamente, distanciei-me desse mundo que passou a imprimir cartão de visita com o titulo de Apóstolo. Depois, com as mega-empresas religiosas, quando o cacife cresceu, e eu decidi sair de vez. Os verdadeiramente ungidos passaram a desfilar de BMW, helicóptero e jatinho. Resolvi não desejar esses brinquedinhos que patenteiam a bênção de Deus. O mundo evangélico está contaminado por esta espiritualidade pequeno-burguesa. Animado pela lógica de que servir a Deus é proveitoso, o crente parte em busca do macete que abre porta de emprego, faz passar no vestibular, resolve causas na justiça, ajuda nos concursos públicos e aumenta salário. Para ele, a prova de que Deus existe está nesses pequenos milagres; e o melhor testemunho da verdade da fé, na capacidade de mover o braço do Todo-Poderoso. Quase fui linchado quando afirmei, em um estudo bíblico, que Deus não abre porta de emprego.Sofri crítica por dizer, baseado no Sermão da Montanha, que Jesus ensinou aos filhos de Deus a não pedirem coisas materiais. A princípio, não entendi a reação virulenta. Por que tamanha resistência à proposta de espiritualidade que abre mão das intervenções divinas para se dar bem na vida? Mas, quanto mais eu lembro das ambições que povoaram o meu coração juvenil, dos corredores enfatuados daquelas convenções americanas e da breguice dos evangelistas novos-ricos, reconheço: não se desvencilha com facilidade das orações milagrosas que prometem os encantos da burguesia, sem feder.
***
Soli Deo Gloria
***

terça-feira, 23 de março de 2010

Humor Negro...

( Clique na imagem para AUMENTAR )
***
Via Genizah

" Ulisses e Abraão "

Pode discutir-se, mas é sugestiva, a comparação feita pelo célebre filósofo E. Levinas entre Ulisses e Abraão como figuras paradigmáticas da relação com o outro.

Ulisses, depois da Guerra de Tróia, de volta a casa, vive a aventura de encontros múltiplos com outros, experiências variadas. Travou combates, enfrentou obstáculos sem fim, conheceu o diferente. Coberto de vitórias e glória, regressa. Mas, chegado a casa, mesmo disfarçado, "diferente" do Ulisses que partira, é ainda o "mesmo", que o seu cão, pelo faro, e Penélope, pelo amor, reconhecem. Ulisses representa o herói do regresso, que contactou com o diferente apenas para, num mundo domesticado e assimilado, o reduzir ao mesmo.

Abraão ouviu uma voz que o chamava, e partiu da sua terra, para nunca mais voltar. A sua viagem vai na direcção do novo, do não familiar, do diferente, do Outro. Ninguém o espera num regresso ao ponto de partida. Há só uma palavra de promessa que o chama para um futuro sempre mais adiante. Abraão ouve, caminha, transcende. A sua identidade transfigura-se a cada passo, é processual, histórica. Rompe com o passado, e o seu êxodo vai no sentido de um futuro imprevisível e novo.

A identidade não é estática, fixa, determinada de uma vez para sempre. Claro que cada um, cada uma é ele, ela, de modo único e intransferível - a experiência suma desse viver-se cada um como único e irrepetível dá-se frente à morte, na angústia do confronto com a possibilidade do nada e da aniquilação do eu: "ai que me roubam o meu eu!", clamava Unamuno -, mas fazemo-nos uns aos outros, de tal modo que ser e ser em relação coincidem. Por isso, a identidade faz-se, desfaz-se, refaz-se e, em sociedades complexas e abertas, ela será cada vez mais compósita e planetária, com tudo o que isso significa de enriquecimento e ao mesmo tempo de complexidades e possíveis rupturas.

É, portanto, preciso pensar a unidade na diferença e a diferença na unidade. A unidade sem diferença é a mesmidade morta, mas a diferença sem unidade é o caos sem sentido. O mesmo se deve dizer da identidade: ser si mesmo na relação, mas sem se deixar absorver pelo outro.

Descartes acentuou o primado da subjectividade, do eu, contrapondo-lhe Levinas, em antítese, o primado da alteridade, do tu. Mas, afinal, se não se pode prescindir da alteridade, caindo no perigo do solipsismo, também é necessário evitar a tentação daquela afirmação do outro que parece prescindir do eu, caindo numa espécie de alterismo. Como escreveu M. Moreno Villa, a verdade não se encontra nem no solipsismo nem no alterismo, mas na subjectividade e na alteridade, "afirmadas ambas simultaneamente no círculo ontológico interpessoal".

Há várias imagens para esta afirmação simultânea da identidade e da diferença. Por exemplo, na música - o famoso compositor e dirigente de orquestra Daniel Barenboim apresenta precisamente a música como a grande imagem do que deve ser o diálogo intercultural -, há múltiplos instrumentos (de corda, de percussão, de sopro, podendo a orquestra ser ainda acompanhada por um coro de vozes) - e, de todos juntos, até em contraponto, resulta uma sinfonia: a unidade de diferentes. Num tecido, há múltiplos fios, que se entretecem de diferentes modos, configurando uma unidade. Numa rede - e cada vez mais é preciso pensar em rede -, há múltiplos nós. Ora, os nós, que significam a identidade própria, só existem precisamente na rede, de tal modo que não há rede sem os nós nem os nós sem a rede.

Num mundo global cada vez mais multicultural e multirreligioso, é urgente repensar a identidade sempre a caminho, no quadro de múltiplas pertenças, e, para lá do multiculturalismo e do multirreligioso, que sublinham o "multi", avançar para o diálogo intercultural e inter-religioso, sublinhando o prefixo "inter", que implica um caminho de interacções múltiplas, sendo a identidade mais uma meta do que um ponto de partida, num horizonte que sempre se desloca na medida em que se marcha para ele. O seu símbolo é mais Abraão do que Ulisses.

***

Prof. Anselmo Borges *** In Diário de Notícias de 20 de Março de 2010

Uma Semana em Paris

Estava programada há já alguns anos, esta minha viagem a Paris. Nem sempre viajamos para onde queremos ou quando queremos, mas quando podemos ou as circunstâncias nos impõem. Neste caso, impunha-se-nos ir até Paris logo que fosse possível e a circunstância pudesse ocorrer, o que aconteceu durante toda a semana passada. Já lá tinhamos estado, eu e a minha família, contudo, a circunstância de então ditou outras regras à viagem. É o que acontece quando temos filhos pequenos e achamos que uma vida não se faz sem pelo menos uma visita à Eurodisney. A desculpa, claro, são os filhos... Talvez um dia lá volte, à Eurodisney, com a desculpa dos netos... Presumo que nessa altura terei menos disponibilidade para tanta agitação.
Agitação é coisa que não falta a Paris. Há quem a conheça pela cidade do amor. Não sei porque razão e também nada me motiva a ir agora descobrir o porquê. A minha paixão, em Paris, foi a da arte patente no interior dos seus Museus. A monumentalidade e gigantismo ( pelo menos quando comparados com os museus que já conheço - e são alguns dentro e fora de Portugal ) do Louvre é algo que chega intimidarnos mas pela positiva. A concentração e diversidade da colecção impressionista, no Museu d'Orsay, desperta em mim sentimentos nunca experimentados por me encontrar a escassos centímetros e em pleno diálogo interior com o que está reproduzido nas obras, mas também porque posso dar asas à minha imaginação e voar para o momento em que cada artista transmitiu as sensações que lhe invadiam a alma no momento de as prender com o pincel e óleos numa tela inerte que de repente agarra o presente ao futuro e que nos faz recuar ao passado.
Foram tantos os instantes de puro prazer e deleite que vivi na cidade-luz, que dá para desculpar até o facto de ela se apresentar como uma das mais sujas que já visitei na europa até hoje. Provavelmente não será por falta de esforço da Mairie de Paris, atendendo aos diversos veículos que a qualquer hora do dia ou da noite eu observei a limpar a cidade. Cerca de doze milhões de habitantes na grande Paris, são obra. O seu cosmopolitismo e intensas vivências humanas de todos os géneros ou uma "tribo urbana" composta por uma inquantificável diversidade de nacionalidades e culturas presentes, não contribuirão, porventura, para a manter tão limpa quanto seria desejável.
Paris recebeu-me de braços abertos, como recebe cada um dos outros vinte e cinco milhões de turistas anualmente, e mostrou-me a sua grandiosidade em vários aspectos. Acima de tudo, é uma cidade de charme que nos atrai a cada esquina e que se poderá repetir e fotografar à exaustão.
Prometi a mim mesmo voltar, mesmo se não gosto muito de uma parte significativa da história de França. Mas isso é uma outra história que não cabe aqui agora.
Considero-me uma pessoa abençoada por Deus por poder estar oito dias em Paris e olhar, e tocar, ao vivo, a sua paleta de cores, sensações e emoções.
Cidades como Paris, deviam ser de visita obrigatória para todos.
Para além de tudo o resto, Paris está também de parabéns por perceber a importância da cultura na vida das pessoas enquanto jovens: até aos vinte cinco anos de idade não se paga em nenhum Museu e, acreditem, é uma oferta e tanto, já que visitar museus em Paris pode levar-nos rapidamente à penúria... Um exemplo a seguir por cá, em que a oferta cultural é o que é. Uma boa oportunidade para os jovens que raramente dispõem de grandes recursos económicos.
Obrigado à minha família por compartilhar esta experiência inolvidável comigo.
***
Jacinto Lourenço

quinta-feira, 18 de março de 2010

Verdade e Preconceito

O preconceito mata a verdade na medida em que acenta em tradições, obediências inflexíveis e cegas, convenções que impedem que olhemos apenas através de Jesus. E através de Jesus, podemos descansar, pois aí, só a verdade subsistirá. Cairão todas as mentiras que a nossa “arqueologia mental” sustenta, porque o Salvador as destrói pelo seu poder. Um homem ou mulher que nasce de novo, que aceita Jesus como seu Salvador, não pode ser preconceituoso em relação a nada que se lhe apresente pela frente. Jesus nunca utilizou o preconceito para julgar pessoas ou situações. Ele via pelo crivo da verdade e da misericórdia de Deus que assentavam na Glória do Pai. E a verdade é que todos nós somos falhos, mesmo quando julgamos não ser. ”…Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro a atirar a pedra sobre ela (…) quando ouviram isso, saíram um a um , a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficaram só Jesus e a mulher, que estava no meio. (…) e Jesus, não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? (…) ninguém Senhor.(…). Nem eu também te condeno; vai e não peques mais.” Como vimos, nesta passagem de João 8:7-10, os judeus levaram a Cristo uma mulher adúltera. De acordo com a sua linha de preconceito, baseada em velhas tradições e convenções judaicas, tinham que a apedrejar até à morte. Jesus olha de outra forma. Uma forma que não está contaminada por qualquer raiz de conceito prévio sem fundamento de verdade, esta sim, única forma de julgar. Nos bolsos e mãos, levavam os judeus as pedras que iriam atirar sobre a mulher que se deitara com um dos da sua nação. Aquilo que o Senhor Jesus lhes disse é que as pedras do preconceito não libertam; matam, assassinam a verdade, e a verdade ali , naquele momento, é que nenhum dos que se preparavam para matar poderia atirar uma única pedra, porque as suas próprias vidas eram construídas sobre a mentira do preconceito. “Não peques mais, foi o que Jesus disse à mulher. A Verdade liberta-nos. A mentira oprime-nos e condena-nos. O Senhor não relativizou a verdade, não pactuou com o pecado. Perdoou a mulher pecadora, deixando-lhe, ao mesmo tempo, a mensagem da necessidade da pureza de vida. Decerto que ela não esqueceu aquilo que o pecado da relativização moral em conjunto com o da arrogância religiosa institucionalizada podia trazer de nefasto para si própria e para os seus semelhantes.

***

Jacinto Lourenço

terça-feira, 16 de março de 2010

O Que é a Verdade ?

Em todo o seu ministério, não foi preciso nada de muito especial para que Jesus fosse levado ao sacrifício da cruz. Bastou-lhe cumprir a vontade do Pai. E a vontade de Deus, como vimos, choca muitas vezes com a vontade dos homens, mesmo daqueles que se afirmam próximos da área divina mas que na prática navegam nas águas turvas do rio do preconceito . É dramático para os cristãos alimentarem, sustentarem e viverem na linha do preconceito, vá ela em que direcção for. O pecado do preconceito condena-nos, levando-nos a dizer e fazer coisas de que só nos daremos conta, quando vivermos, não na margem, mas dentro da Glória de Deus, e isso para alguns cristãos, pode demorar anos de perda de vida espiritual efectiva . Pilatos perguntou a Jesus: “ Logo tu és Rei ? Jesus respondeu: tu dizes que eu sou Rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Disse-lhe Pilatos: que é a verdade?”. Entendemos, pela sua resposta, que o governador achava que tudo era relativizável, inclusive a “Verdade”. Que tudo podia ser relativizado conforme a abordagem que fosse feita a qualquer tema ou questão. Este é sem dúvida o pior preconceito. O preconceito em relação à Verdade. Jesus disse: “Eu sou a verdade”, e esta afirmação/realidade tem um peso esmagador na vida de qualquer que se afirma cristão, e especialmente cristão evangélico. É por este prisma, pelo óptica da verdade, que a nossa vida deve ser conduzida. Avaliar, julgar, sentir, olhar, estar, falar, rir, pensar, partilhar, ir, ficar, etc, só pelo olhar do mestre se tornam verdade , porque Ele é a Verdade. Não uma verdade. Não qualquer verdade. Não a minha verdade. Não a tua verdade. Não a verdade das maiorias ou minorias, não a verdade como a queremos ou desejamos, não a de ontem ou a de hoje, mas a verdade de toda a eternidade, “de geração em geração”.
***
Jacinto Lourenço

segunda-feira, 15 de março de 2010

À Margem do Preconceito

“ …Tu és o Rei dos Judeus? Respondeu-lhe Jesus : Tu dizes isso de ti mesmo ou disseram-to outros de mim? ” ( João 18:32,33 ).

***

O texto acima reproduz uma pergunta de Pilatos a Jesus, e a resposta que lhe deu o Senhor. Pilatos, mais do que provavelmente, nunca tinha estado frente a frente com Cristo. Para ele , Jesus era apenas mais um Judeu que os sacerdotes lhe entregavam para ser julgado. E isso acontecia sempre que, na opinião dos responsáveis do Templo, a penalidade a aplicar aos “criminosos” excedia os limites da autoridade sacerdotal, como era o caso com o Senhor Jesus, na opinião dos sacerdotes, um “blasfemo” digno de morte, sendo que tal pena só podia ser aplicada pelos Romanos. No conceito dos responsáveis Judeus, que encaminharam Cristo até Pilatos, a sua consciência ficava “limpinha”. Descartavam-se do Mestre antes de celebrarem a Páscoa, que ocorria nessa altura, e a cuja celebração não pretendiam comparecer “contaminados”, e “desresponsabilizavam-se” da autoria material da morte do Senhor que recairia assim sobre César.

Apetece-me citar o texto “A Prisão Judaica”, noutro contexto, é certo, que o meu amigo João Tomaz Parreira publicou já há algum tempo numa revista cristã ( “Novas de Alegria” ) , e que a determinado passo diz: “Politicamente verificamos que muitos Judeus, na Palestina, querem o território bíblico, mas rejeitam o Deus que lhes deu ancestralmente a sua terra. Escavam nas raízes, julgam-se para todas as coisas o único testemunho da humanidade e o exclusivo instrumento da divindade, mas colocam Jeová fora dos seus planos”. Foram assim sempre, ao longo da sua história, os Judeus. Alimentando o preconceito de que “um escolhido” tem sempre a razão e a verdade do seu lado independentemente da forma como julga e avalia, e como vive. Citando de Novo J.T.Parreira, no mesmo texto, e que por sua vez cita outros pensadores, e aplicando agora aos cristãos nossos contemporâneos que possam viver um pouco à imagem do judaísmo um cristianismo impregnado de preconceitos, faço minhas as suas palavras: “o que vale não é tanto um credo cristão, mas muito mais os actos concretos dos cristãos”. Razão teria João Batista ( porque conhecia bem a intimidade do coração e do pensamento dos judeus), quando atirou aos Saduceus e Fariseus a frase: “raça de víboras (…) produzi frutos dignos de arrependimento e não presumais de vós mesmos, dizendo: temos por pai a Abraão…”. Por essa e outras razões, que tinham a ver com uma fé liberta e à margem da “linha do preconceito”, foi João Batista martirizado.

O preconceito fere, contamina, destrói e, como vimos pela Palavra de Deus, pode matar!

“Preconceito: Ideia, conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério. Obrigação de obediência inflexível a certas normas de procedimento convencional ou tradicionalmente estabelecidas. Estado de superstição de cegueira moral. Abusão, erro, prejuízo, que muitas vezes obriga a certos actos ou impede que eles se pratiquem”. É o que diz o Grande Dicionário da Língua Portuguesa – edição Círculo de Leitores.

Quando olhamos para o julgamento a que Jesus foi sujeito, é o que vemos. Um julgamento eivado de preconceitos; ideias formadas sem fundamento sério e obedecendo a procedimentos convencionais e tradicionalmente estabelecidos. Mas mais: vemos também um grande desconhecimento bíblico daqueles que diziam julgar pela bíblia, exceptuando, como é óbvio, Pilatos, que não tendo nenhum conhecimento de matérias bíblicas ou das realidades sociológicas mais profundas da nação que governava em nome de César, foi por isso confrontado por Jesus: “é isso que tu pensas mesmo, ou ouviste dizer por outros que eu era o Rei dos Judeus?” . Claro que Jesus sabia que Pilatos não podia imaginar o que traduziria, na realidade judaica, e no contexto bíblico e espiritual, essa frase: “Rei dos Judeus”. Claro que o Filho de Deus também sabia muito bem o que é que o preconceito estava a fazer em todo o processo do seu julgamento. Claro que Deus sabe que aqueles que são Filhos do Rei têm que apagar da sua vida os preconceitos para viverem perto da Glória de Deus.

***

Jacinto Lourenço